Bate papo com Natália Utikava, nutricionista e vegana

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Olá pessoal, tudo bem? Hoje a Planta apresenta a nutricionista e vegana, Natália Utikava, a mais nova Influencer da Planta 2.0.

Quem somos e o que buscamos no mercado de produtos vegetarianos

Uma vegana na equipe! Isso mesmo. É com muita alegria que eu venho dividir com vocês aqui na Planta um pouco da minha experiência sobre a filosofia do vegetarianismo e suas vertentes, aliada à ciência da Nutrição!

Eu me tornei vegetariana em 2002, aos 16 anos de idade, quando conheci uma garota na escola cuja família era adventista do sétimo dia e seguia um dos princípios de saúde propostos por Ellen White, de evitar a carne. Achei curioso que a família dela toda se abstinha de carne, enquanto na minha casa a carne ficava exatamente no centro da mesa em todas as refeições familiares. 

Nessa época tínhamos poucas informações a respeito de uma alimentação vegetariana, e eu substituía a carne de forma bem monótona, com proteína de soja e ovos. Eu nem pensava ainda em parar de consumir os derivados de animais e, embora soubesse que em algum momento isso aconteceria, sempre adiei a transição, por medo de ficar doente e de me ver obrigada por algum médico a comer novamente esses alimentos.

Chegada a época do vestibular, acabei caindo no curso de Nutrição. Tinha a esperança de que ali eu teria respostas para tantas de minhas dúvidas em alimentação vegetariana. Porém, ao longo dos anos de faculdade, percebi que o que se conhecia sobre o tema até então era: risco de anemia e proteínas de baixo valor biológico. Os professores eram contra. Parecia uma heresia e até uma negligência ser nutricionista e apoiar uma alimentação vegetariana.

As dificuldades nos trazem oportunidade de crescimento. Foi exatamente por esses entraves que eu me dediquei ao estudo do tema. Descobri que, ao mesmo tempo em que os movimentos de ética e libertação animal surgiram na década de 1970, também deram início os primeiros estudos científicos com as pessoas que aderiam a uma alimentação sem carne. Pesquisas como The China Study (1), EPIC-Oxford (2) e Adventist Health Study (3) contribuíram – e ainda contribuem – para evoluirmos de um cenário em que o vegetarianismo era contraindicado pelo risco de deficiências nutricionais, para um novo horizonte de aplicações da alimentação vegetariana na prevenção e até no tratamento de doenças crônicas, como diabetes, doenças cardiovasculares, doenças autoimunes, câncer, entre muitas outras. 

Para ir além, hoje também avançamos no estudo da nutrição ambiental, que explora conexões entre uma alimentação baseada em vegetais, saúde e sustentabilidade, considerando os impactos globais dos sistemas alimentares contemporâneos nos recursos naturais do planeta e na saúde das futuras gerações.

Há 3 anos eu tomei a decisão de transicionar de vez para uma alimentação e estilo de vida vegano. Para quem não é muito familiar ao termo, o veganismo foi definido em 1988 pela The Vegan Society, no Reino Unido, como “uma filosofia ou modo de viver que busca excluir – na medida do possível e do praticável – todas as formas de exploração e crueldade com animais para alimentação, entretenimento, vestuário ou qualquer outro propósito; e promover o desenvolvimento e o uso de alternativas isentas de animais para o benefício dos próprios animais, dos humanos e do meio-ambiente. Na alimentação, denota a prática de dispensar todos os produtos derivados total ou parcialmente de animais” (tradução livre) (4). 

É certo que muitos dos avanços na ciência e tecnologia foram graças ao uso de animais, e que é praticamente impossível viver sem prejudicar nenhum animal. Michael Pollan descreve bem isso no capítulo A Utopia Vegana, do livro O Dilema do Onívoro, mencionando, por exemplo, que para o cultivo de vegetais é necessário um manejo para controlar insetos e outros animais, ou mesmo desmatar uma área de floresta para estabelecer a agricultura, e que, nesse processo, animais seriam mortos (5). Mas a definição do veganismo é bem clara quando destaca o termo “na medida do possível e do praticável” e o fato de não conseguirmos fazer tudo, não nos impede de fazer o máximo que estiver ao nosso alcance.

Por isso, a adoção do veganismo traz consigo uma camada de autorresponsabilidade e coerência. Cada pessoa que adota esse estilo de vida terá que, diariamente, arbitrar o que para si é possível e praticável e, portanto, envolve um poder de escolha – que muitas vezes pode ser considerado como elitista. Como a Sandra Mian mencionou em um dos seus vídeos, o indivíduo que pode escolher o que comer e o que comprar é, na maioria das vezes, parte de uma comunidade que não padece de escassez de alimentos ou recursos. Em algumas regiões, a carne é tudo o que as pessoas têm num modelo mínimo de subsistência familiar. Deixo aqui essa provocação para conversarmos mais adiante sobre esse assunto nos fóruns.

O que eu quero abordar neste texto é que, em se tratando a Planta de uma plataforma de ideias inovadoras na produção de alimentos e bebidas, temos que considerar que, por diversas razões, uma boa parcela das pessoas vem reduzindo ou excluindo do cardápio a carne, os ovos, os laticínios e outros alimentos de origem animal, e buscando produtos alternativos. Assim, é bem interessante que um novo produto seja “inclusivo”, isto é, que seja apto ao consumo tanto de onívoros como de vegetarianos, veganos, ou mesmo de pessoas com alergias e intolerâncias alimentares, como alergia à proteína do leite ou intolerância à lactose, por exemplo.

Há de se considerar também as segmentações dentro do vegetarianismo. Temos os ovolactovegetarianos, que excluem carne, mas consomem ovos e latícinios; os lactovegetarianos, que também excluem os ovos além da carne, mas consomem laticínios; e os ovovegetarianos, que excluem carne e laticínios, mas consomem ovos. Também temos os vegetarianos estritos, a quem usualmente chamamos de veganos, que excluem todos os ingredientes de origem animal da dieta – carnes, ovos, laticínios, mel, corantes, vitaminas e outros aditivos que tenham sido extraídos de animais – mas lembrando que o veganismo é uma filosofia muito mais abrangente e não apenas uma escolha alimentar. 

Se você achou confuso, eu te digo que há ainda algumas polarizações. Mesmo entre os veganos, há aqueles que se simpatizam com a visão do veganismo estratégico, incentivando e comprando produtos que não levam ingredientes de origem animal na composição, mas que foram produzidos por grandes empresas com histórico de utilização ou exploração animal, e que continuam tendo as linhas tradicionais à base de animais, com a justificativa de que esses produtos popularizam o acesso dos produtos veganos; e há aqueles que consideram essa visão estratégica como mercantilista e capitalista, e defendem uma abordagem ecossocialista, opondo-se ao consumo desse tipo de produto em escala industrial e priorizando novas formas de consumo, mais voltadas à agroecologia, a uma economia verde e com foco em equidade social. Nesse último caso, portanto, está posto o desafio: para atingir esse público, o produto inovador precisa, além de não conter ingredientes de origem animal, ser produzido com o propósito de aliar comércio justo, consumo consciente e sustentabilidade.

Ainda sob uma ótica de ruptura com o capitalismo, podemos citar os freegans, que excluem da sua alimentação qualquer alimento que precisa ser comprado. Segundo Peter Singer e Jim Mason, os freegans não são necessariamente vegetarianos, embora prefiram alimentos vegetais. A lógica, segundo os autores, é “impecavelmente pragmática: se você é contra o abuso de animais, mas gosta de comer carne, queijo ou ovos – pegue essas coisas no lixo” (6). Assim, os adeptos do freeganismo apenas coletam sobras de alimentos que foram jogados fora ou desperdiçados, e rejeitam a sociedade do consumo tal como é hoje, podendo ser considerado como parte do movimento anarquista. Sendo assim, mesmo um produto inovador vegano, ético, fruto do comércio justo e sustentável não será comprado por um freegan, e esta pessoa só irá consumi-lo, se sobras desse produto forem descartadas no lixo.

Distanciando-se um pouco dessas visões mais complexas e consideradas por algumas pessoas como “radicais”, há a turma do “plant-based” e do “flexitarianismo”. Em geral, são pessoas que se simpatizam com uma alimentação vegetariana ou vegana, mas que não se sentem confortáveis em abraçar totalmente a causa e se rotularem como tal. Na maior parte do tempo preferem vegetais, mas eventualmente consomem alimentos de origem animal.

Apesar de parecidos, os dois termos não são sinônimos e geram confusão. Quando nos referimos ao plant-based, estamos encurtando a expressão “Whole Food Plant-Based Diet”, que dispensa qualquer tipo de carne, ovos, laticínios e mel, e que prioriza o consumo de vegetais, frescos, íntegros, não-refinados, ou que sofreram processamentos mínimos pela indústria (7), sendo aceitos somente higienização, remoção de partes não comestíveis, moagem (do alimento integral), fermentação, cozimento, resfriamento e congelamento. Outras alterações industriais como adição de sal, açúcar, óleos, gorduras, farinhas, aromas e outros aditivos tornam esses produtos processados ou ultraprocessados, e pouco aptos para o consumo por parte de quem adere a uma alimentação plant-based. É centrada, portanto, no consumo de cereais integrais, leguminosas, frutas, verduras, legumes, raízes e tubérculos, sementes e castanhas, na sua forma mais natural possível. Alguns consideram que o consumo ocasional de carnes, ovos e laticínios produzidos em pequena escala e preferencialmente orgânicos possa fazer parte de uma alimentação plant-based, mas ainda não há consenso sobre isso.

No caso dos flexitarianos e, muitas vezes, por parte de alguns vegetarianos e veganos não há, necessariamente, uma preocupação com essa questão do processamento ou com a saudabilidade dos produtos. Pode haver essa preocupação, mas não é requisito. São aceitos, portanto, substitutos culinários, hambúrgueres vegetais, empanados, salsichas, embutidos, biscoitos, bolos, pães, queijos, e outros produtos ultraprocessados, desde que não tenham ingredientes de origem animal na composição. No meu caso, quando eu decidi virar vegetariana na adolescência, teria me deleitado com essas opções, se na época houvesse. Mas, depois de anos de estudo e profissão na área da Nutrição considero que esses produtos são interessantes para um consumo ocasional, e que a base da alimentação tenha que ser realmente rica em alimentos vegetais frescos, integrais e in natura ou minimamente processados.

São muitas variáveis, não é mesmo? Quando falamos em produtos veganos, vejam quanta coisa está por trás e quantos elementos há de se levar em consideração! Apesar de sabermos que há uma tendência crescente no consumo desses produtos, essa escolha alimentar está muito além de ser apenas uma dieta da moda ou uma onda passageira. Mais do que simples consumidores de produtos veganos, estamos lidando com pessoas que aderem a uma filosofia de vida, que abraçam causas ideológicas, espirituais, políticas, ambientais. O consumo consciente veio para ficar e precisamos estar constantemente dialogando sobre o assunto.

Por hora eu quis levantar essas questões e mostrar que nem todo vegetariano é igual e, precisamos ter isso em mente no desenvolvimento de novos produtos. No próximo texto vamos conhecer mais o que um produto vegano precisa contemplar em termos de nutrientes e características sensoriais. Convido vocês a opinarem nos nossos fóruns e interagirem conosco contando suas experiências com o universo do vegetarianismo! 

Referências:

  1. T Colin Campbell, Thomas M Campbell II. The China Study: revised and expanded edition: the most comprehensive study of nutrition ever conducted and the startling implications for diet, weight loss, and long-term health. Dallas: BenBella Books; 2016. 496 p. 
  2. University of Oxford. European Prospective Investigation on Cancer [Internet]. The EPIC-Oxford Study. 2019. Disponível em: http://www.epic-oxford.org/home/
  3. Loma Linda University. Adventist Health Study [Internet]. [citado 10 de março de 2020]. Disponível em: https://adventisthealthstudy.org/
  4. Definition of veganism [Internet]. The Vegan Society. [citado 10 de março de 2020]. Disponível em: https://www.vegansociety.com/go-vegan/definition-veganism
  5. Michael Pollan. A utopia vegan. In: O dilema do onívoro. Rio de Janeiro: Intrínseca; 2007. p. 347–50. 
  6. Peter Singer, Jim Mason. Mergulho no lixo: uma maneira extrema de comer barato e com ética. In: A ética da alimentação: como nossos hábitos alimentares influenciam o meio ambiente e o nosso bem-estar. Rio de Janeiro: Elsevier; 2007. p. 282–91. 
  7. Gene Stone. Garfos em vez de facas: os vegetais no caminho para uma boa saúde. Lisboa: Leya; 2013. 224 p. 

Autora: Natália Utikava

Nutricionista clínica e docente na área de nutrição vegetariana e direito humano à alimentação adequada, saudável e sustentável. 

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