Inovação em produtos plant-based

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Olá pessoal, tudo bem?

Inovação em produtos plant-based: características nutricionais e sensoriais desejadas e porque pensar apenas nisso não é suficiente para o futuro da alimentação

Quando pensamos em inovação, principalmente na área de alimentos, nossa primeira tarefa é conhecer, de fato, o que querem os consumidores, o nosso público-alvo. Temos falado bastante por aqui sobre o que os vegetarianos, veganos e flexitarianos esperam dos produtos plant-based. Mas a proposta do texto de hoje é trazer a reflexão por um outro ponto de vista: o que um nutricionista espera dos produtos plant-based, aos quais as pessoas, potenciais consumidores, terão acesso e oportunidade de escolha?

Como eu já contei no texto anterior, eu atendo em consultório as pessoas que estão fazendo uma transição para a alimentação plant-based. E para quem está nessa fase de transição eu sempre proponho o desafio de incluir novos alimentos no repertório antes de excluir de vez os alimentos de origem animal.

Enquanto nutricionista e entusiasta do nosso mais recente Guia Alimentar para a População Brasileira, do Ministério da Saúde (1), compartilho da orientação dada por ele: “Faça de alimentos in natura ou minimamente processados a base da sua alimentação”. Esses alimentos, que incluem grãos integrais, feijões, castanhas, legumes, verduras, raízes, cogumelos, são naturais, frescos e boas fontes de nutrientes.

Mas não posso deixar de considerar que vivemos em um mundo cada vez mais complexo, que demanda de nós muito tempo para o trabalho e deslocamento, para cuidar da família, se exercitar, ter lazer, descansar e, nem sempre, conseguimos conciliar tudo isso e ainda ter tempo para cozinhar em casa.

A mais recente versão da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2017/2018) do IBGE confirma esse fenômeno, revelando que houve uma redução de cerca de 50% na aquisição domiciliar de cereais, leguminosas (feijões) e oleaginosas em comparação com o mesmo inquérito em 2002/2003. Além disso, cada vez mais se come fora de casa. Cerca de 33% das despesas familiares em 2017/2018 foram com alimentação fora do domicílio, enquanto em 2002/2003 esse percentual era de 24% (2).

É nesse cenário que entram as categorias dos alimentos processados e ultraprocessados, que são uma praticidade, mas também um alerta do ponto de vista de saúde pública. Alimentos processados são fabricados com adição de sal ou açúcar ou alguma outra substância que torne durável ou agradável ao paladar, como legumes em conserva, queijos, pães, carnes curadas, frios, peixes enlatados. Já os ultraprocessados são formulações industriais feitas inteira ou majoritariamente de substâncias extraídas dos alimentos, como óleos, gorduras, amidos, açúcar, proteínas, e ainda incluem aditivos alimentares como conservantes, estabilizantes, corantes, aromatizantes (1).

Em geral, maior parte dos alimentos ultraprocessados que temos hoje no mercado apresentam uma composição nutricional desbalanceada, são ricos em calorias, gorduras saturadas e trans, sódio, açúcares, pobres em fibras, vitaminas, minerais, compostos bioativos. E embora cada aditivo utilizado nesses produtos tenha que passar por testes e ser aprovado por autoridades sanitárias, os efeitos a longo prazo sobre a saúde e o efeito cumulativo da exposição a vários aditivos nem sempre são bem conhecidos (1).

O desafio da inovação na indústria de alimentos está em romper com esse quadro, elaborando formulações que atendam, ao mesmo tempo, à necessidade de praticidade dos consumidores e saudabilidade, preferindo ingredientes e aditivos naturais. Mas não somente isso. A sequência de processos envolvidos com a manufatura dos produtos ultraprocessados nos moldes atuais também gera consequências importantes no meio ambiente e na degradação dos recursos naturais.

Por isso, mais do que pensar em calorias e nutrientes, é preciso pensar em todo o ciclo de vida do produto, desde o cultivo dos vegetais no campo pelo agricultor familiar (afinal, estamos falando aqui de produtos à base de plantas, certo?), passando pela extração de ingredientes, transporte, por todas as etapas da manufatura, pela distribuição e comercialização no varejo e também pelo pós-consumo, considerando o destino das embalagens e dos resíduos gerados. Tudo isso vai interferir na nossa saúde no presente ou no futuro, e elaborar um projeto inovador, que leve em conta cada uma dessas etapas, além da composição nutricional e da aceitação sensorial do produto, é um grande diferencial.

Voltando um pouco à questão nutricional, gostaria de destacar alguns atributos dos produtos plant-based. A primeira recomendação que dou para você que tem uma ideia é que se questione se o seu produto será, de fato, um substituto culinário e nutricional da carne, do ovo ou dos laticínios.

Explico: um substituto culinário é aquele que é usado no lugar desses alimentos na busca por um sabor ou textura semelhante ao original. Por exemplo, o leite de vaca é um alimento rico em proteínas e em cálcio. Numa alimentação plant-based podemos substituí-lo por uma bebida vegetal, como por exemplo, um “leite” de amêndoas, castanhas, coco, aveia, arroz, soja. Essas bebidas são substitutos culinários do leite e, embora possam ser utilizadas em substituição ao leite em diversas receitas, vitaminas, mingau, não apresentam o mesmo teor de proteínas e cálcio que o leite de vaca. São substitutos culinários, mas não são substitutos nutricionais.

Por isso, cada vez mais as empresas que produzem bebidas vegetais têm buscado adequar suas formulações, fortificando-as com cálcio e até utilizando algumas proteínas vegetais, como a de ervilha, para atingir teores proteicos semelhantes ao do leite de vaca.

Isso vale para quaisquer alimentos que sejam consumidos como análogos da carne, dos ovos ou dos laticínios. Nem sempre o consumidor sabe diferenciar a composição nutricional dos produtos, mas eu considero interessante que o produto atenda a esses dois requisitos concomitantemente – se ele será utilizado como substituto, que contenha uma composição similar em relação aos nutrientes-chave e que se pareça em sabor e textura para que possa ser consumido no mesmo contexto em que se consumiriam as versões tradicionais.

Há de se fazer uma ressalva aqui. Muitas vezes os produtos originais de origem animal já não apresentavam uma composição saudável, e vale o bom-senso. Se o consumidor está buscando mais saúde quando retira a carne do prato, a ideia é ofertar opções vegetais que tenham uma composição nutricional mais equilibrada.

O mercado das carnes vegetais está crescendo de maneira exponencial nos últimos anos. As formulações tecnológicas, que buscam oferecer ao consumidor a mesma experiência sensorial da carne, enfrentam esse desafio, pois parte da palatabilidade da carne fresca ou dos embutidos vem do alto teor de gorduras saturadas e sal, além do sabor umâmi (um dos cinco sabores identificados pelas papilas gustativas, que encontramos em alimentos com glutamato, como carnes curadas e queijos maturados), e dos processos de cura ou defumação.

O uso de gorduras vegetais alternativas como a gordura de palma e a gordura vegetal hidrogenada é muito comum nesses produtos, o que aumenta o teor de gorduras saturadas e trans, as quais devemos limitar o consumo, pois seu excesso está associado ao aumento do risco de doenças cardiovasculares. O problema é que essas gorduras conferem textura, porque têm um ponto de fusão mais alto, permanecendo mais consistentes em temperaturas de aquecimento. A substituição dessas gorduras por óleos vegetais ou azeite, prejudica a textura dos produtos, e novas alternativas precisam ser exploradas.

O uso de aromas sintéticos idênticos aos naturais, contudo, tem se mostrado um recurso interessante. A Sandra Mian descreveu bem a importância das memórias em seu vídeo e texto sobre as “madeleines de Proust” no processo descrito como memória involuntária. Trazendo essa teoria para o nosso contexto, é possível que quando comemos um hambúrguer vegetal que tenha um aroma de fumaça, nosso olfato nos remeta ao famoso churrasco de domingo, às reuniões familiares ou entre amigos, às lembranças que temos desses momentos prazerosos e que, por vezes, se tornam mais raros ou mesmo desconfortáveis entre os que deixam de comer carne. Alguns aromatizantes utilizados em produtos plant-based são tão idênticos que pode passar desapercebido o fato de o produto não conter nenhum ingrediente de origem animal.

Os aromatizantes são substâncias ou misturas de substâncias capazes de conferir ou intensificar o aroma e/ou o sabor dos alimentos e é importante destacar que existe toda uma legislação para o seu uso em quantidades que não sejam prejudiciais à saúde humana.

Alguns nutrientes-chave na alimentação à base de plantas merecem uma atenção especial quando optamos por fazer essa escolha. Proteínas, ferro, vitamina B12, cálcio, zinco, iodo, são nutrientes que estão presentes em maior quantidade ou apresentam melhor absorção nos alimentos de origem animal.

O uso das proteínas extraídas de alguns vegetais pode ser interessante para enriquecer os produtos. Mas vale o alerta: a proteína de soja, que é muito utilizada nos produtos vegetais que temos hoje, vem sendo cada vez menos desejada pelos consumidores. Em parte pelo desenvolvimento de alergias, e também porque já sabemos que maior parte da nossa soja é transgênica, e consumidores antenados têm evitado alimentos transgênicos em sua busca por mais saúde. Temos diversas outras opções interessantes, proteína de ervilha, arroz, de oleaginosas (com maior risco para alergias), e até mesmo dos grãos germinados, que parecem apresentar maior digestibilidade.

Minerais como o ferro, presente nas carnes vermelhas, o zinco, das carnes e laticínios, e o iodo, presente nos peixes de água salgada e frutos do mar, também podem ser utilizados nos produtos plant-based para torna-los semelhantes às suas versões animais em composição nutricional. É preciso, contudo, atenção às quantidades e formas químicas dos minerais de sabor metálico, para que seu uso não afete a palatabilidade dos produtos.

Assim como eu comentei sobre as bebidas vegetais substitutas do leite de vaca em relação às proteínas e ao cálcio, também considero interessante adicionar a vitamina B12 em alguns produtos, pois esta é uma vitamina presente somente nos alimentos de origem animal. É fundamental assegurar que a procedência dela não seja de origem animal – a vitamina B12 pode ser sintetizada em laboratório utilizando bactérias.

Agora que vocês já sabem o que um nutricionista espera dos produtos plant-based, para terminar, gostaria de deixar uma provocação no ar!

No último vídeo da Cynthia Antonaccio ela nos apresentou o quanto o mercado plant-based vem crescendo e relatou que 59% dos brasileiros que querem reduzir o consumo de carne têm a preocupação com a saúde como principal fator.

Mas o que será que os consumidores entendem por saúde? Será que todos compreendem saúde da mesma forma? O que você que está lendo esse texto entende como saúde?

Para uma pessoa a preocupação com saúde pode ser sinônimo de ser magro. Para outra pode ser se recuperar de uma doença grave com a qual ela vem lutando. Para uma terceira pessoa ainda pode significar não ser portador de nenhuma necessidade especial. Para um profissional de saúde pode ser a ausência de enfermidades que limitem as capacidades funcionais. A percepção sobre o estado de saúde, portanto, pode ser muito diferente entre as pessoas, entre diferentes faixas etárias, culturas, etnias.

Há evidências de que o consumo excessivo de carnes, principalmente vermelha e ultraprocessada aumenta o risco de desenvolver doenças crônicas, tais como doenças cardiovasculares e alguns tipos de câncer. Mas será que as pessoas estão que estão excluindo a carne do cardápio estão buscando mais saúde ou apenas têm medo de ficar doentes?

E afinal, por que queremos tanto ter saúde? Ou melhor, queremos ter saúde para viver o quê?

Na minha visão enquanto profissional da saúde, a opção por um estilo de vida que promova saúde deve partir de uma reflexão muito mais profunda do que por medo ou necessidade de diminuir os níveis de colesterol. A ideia é ter uma alimentação que seja um meio e não um fim. É comer de forma que essa comida traga disposição e dê condições para o corpo de estar junto das pessoas que amamos, para correr com os filhos no parque, para desfrutar das férias em família, para viver mais tempo perto dos nossos pais e avós, compartilhando experiências.

Percebe a diferença?

A alimentação plant-based é linda e com certeza é uma das ferramentas mais eficazes para ter saúde, mas a saúde não deve ser o único objetivo a se buscar.

Nossas escolhas devem partir de uma visão daquilo que realmente importa para nós, daquilo que está no cerne da nossa vida, e daquilo que brilha os nossos olhos. Se não for assim, ela se torna uma mera dieta de restrição, como tantas outras que estão por aí na internet. Definitivamente, não é esse o caminho.

Fica a reflexão para quem tem uma ideia inovadora, e também para o consumidor plant-based. Que possamos estar juntos construindo o futuro da alimentação que envolva muito mais do que produtos alimentícios de base vegetal e saudáveis. Façamos um sistema alimentar que pense em pessoas, em relacionamentos, que priorize a saúde e não a doença, e que promova a harmonia entre todos os seres!

Um grande abraço! 

Natália Utikava

Nutricionista clínica e docente na área de nutrição vegetariana e direito humano à alimentação adequada, saudável e sustentável.

Referências:

  1. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira. 2 ed. Brasil: Ministério da Saúde, 2014.
  1. Ministério da Economia. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Diretoria de Pesquisas. Coordenação de Trabalho e Rendimento. Pesquisa de orçamentos familiares 2017-2018: primeiros resultados / IBGE, Coordenação de Trabalho e Rendimento. Rio de Janeiro: IBGE, 2019.

 

Autora: Natália Utikava

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